Ideia é que startups financiem produtores com parte do dinheiro que os bancos têm que destinar obrigatoriamente a empréstimos no campo.
Governo, bancos e startups que atuam no financiamento do setor agropecuário trabalham na montagem de um mecanismo que permitirá aos bancos repassar parte do dinheiro dos recursos obrigatórios, captados pelos depósitos à vista, para as fintechs emprestarem aos produtores. A ideia é que as startups criem fundos de investimentos e vendam cotas para os bancos, que pagariam com os valores das exigibilidades do crédito rural. O potencial estimado é de, pelo menos, R$ 20 bilhões por safra.
As fintechs podem usar tanto a estrutura dos FIDCs (Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios) como do recém-criado Fiagro (Fundo de Investimento nas Cadeias Agroindustriais), com vantagens fiscais após a derrubada dos vetos presidenciais pelo Congresso Nacional. Os valores poderiam financiar também o custeio agropecuário.
A iniciativa pode, ao mesmo tempo, melhorar o fluxo de crédito rural para o pequeno produtor, fomentar a entrada de novos agentes financeiros nesse mercado e facilitar às instituições financeiras o cumprimento das exigibilidades de aplicação no setor. Com mais recursos, as fintechs aproveitariam melhor sua capilaridade, que permite que atuem perto dos produtores. A iniciativa também tem potencial de baratear e desburocratizar o acesso ao crédito na ponta.
“A ideia é utilizar os fundos de investimentos como fonte entre bancos e o Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar]. Isso pode aumentar a capilaridade de acesso ao Pronaf, para que mais produtores sejam atendidos de forma menos burocrática, mais rápida e digital”, afirmou ao Valor o subsecretário de Política Agrícola e Negócios Agroambientais do Ministério da Economia, Rogério Boueri.
A medida ajuda ainda a resolver um “problema” dos bancos privados, que é cumprir as exigibilidades de aplicação em crédito rural, principalmente para os pequenos produtores. Atualmente, 27,5% da média de captação dos depósitos à vista devem ser destinados aos financiamentos do campo com juros controlados. Na próxima safra, o percentual cairá para 25%, mas o volume disponível aumentou cerca de 20% com a pandemia. As instituições que não utilizam emprestam todos os recursos obrigatórios pagam multa ao Banco Central.
Os bancos já repassam parte desses valores para outras instituições, como cooperativas de crédito, por meio dos Depósitos Interfinanceiros Vinculados do Crédito Rural (DIR). De dezembro de 2020 a abril deste ano, o valor movimentado foi de R$ 7 bilhões. Desde o início da safra, em julho do ano passado, os repasses somam quase R$ 20 bilhões. A maior parte desse volume é destinado à agricultura familiar.
As startups veem potencial para movimentar os fundos e distribuir financiamentos aos produtores de forma mais ágil e a boas taxas de juros. A iniciativa pode criar um canal de abastecimento direto das fintechs, que hoje buscam recursos no mercado financeiro para repassar aos produtores. “No agronegócio, além de buscar boas taxas, é importante que o acesso seja rápido, pois o produtor tem janela para comprar insumos e aplicar”, diz Mariana Bonora, diretora da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs). “Temos capacidade de criar novos modelos de distribuição, dar escala a novos formatos, mais rápidos que as instituições financeiras, e desburocratizar”.
A associação tem 15 startups que atuam no financiamento agropecuário, mas Bonora diz que empresas de outros ramos, como de prestação de serviços no campo, podem começar a ofertar crédito justamente pela proximidade aos produtores. “Com possibilidades maiores e mais vantajosas, as agtechs que não são exclusivas vão passar a atuar nesse sentido”, destacou. Segundo o segundo o Radar AgTech Brasil, levantamento feito por Embrapa, SP Ventures e Homo Ludens e publicado em maio, existem 52 fintechs com atuação no agronegócio em todo o país.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) apoia a ideia. “A iniciativa tem o poder de eliminar algumas barreiras para oferta de recursos do crédito rural”, disse, em nota. O impasse em torno do assunto está na validação do cumprimento das exigibilidades. Bancos e fintechs querem que ela seja feita assim que a instituição financeira comprar as cotas do fundo e repassar o recurso. O governo avalia que é preciso comprovar que o dinheiro chegou ao produtor e foi usado para financiar a produção. Assim que a questão for resolvida, a proposta será levada ao Conselho Monetário Nacional (CMN) para aprovação.
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